6.13.2011

Capítulo II: O Real e o irreal

     
     Os primeiros raios de sol estavam surgindo no céu e ao mesmo tempo batia nas cabas no acampamento. O céu estava azul, com algumas nuvens, ao todo um belo dia.
     Aos poucos os sobreviventes saiam das cabanas para um novo ano, que provavelmente seria como todos os outros.
     Cada pessoa tinha uma função. Uns iam colher madeira para o fogo, outros iam checar as armadilhas feitas para caçar animais. Grupos de caçadores iam entrando mata adentro a procura de mais comida, grupo de pescadores. Ainda tinha alguns médicos, engenheiros e cientistas no meio do acampamento.
     Saimer e Kimberlly eram responsáveis pela busca de madeiras, galhos, qualquer coisa que sirva como fonte de fogo. 
     Eles revezavam com outra dupla. Eram mais velhos, cinco anos de diferença com relação à idade de Saimer e seis de Kimberlly.
     Outra diferença é que a dupla era formada por homens. Louis Ben e Andrew Jackson. 
     Louis é um rapaz de vinte anos. Seu cabelo preto chegava ate os ombros, olhos negros, seu porte físico arrancava sorrisinhos das meninas que viviam no acampamento. Seu comportamento era como de um pavio curto. Qualquer encarada, olhar torno, ou alguma brincadeira que ele não goste já tem motivos de para agressão coisa que seu amigo Andrew tenta faze-lo parar com essas atitudes. 
     Já Andrew é uma pessoa oposta a do seu amigo. Tem paciência para tudo, principalmente com Louis, simpático, se da bem com todos, mas às vezes mente para ganhar algo que quer muito, mas acaba que ninguém percebe. Ambos têm os pais mortos na guerra, alias quase todo mundo ali com menos de 20 anos tem seus pais desaparecidos e mortos.
     Tem cabelo castanho e arrepiado, olhos castanhos claros. Uma coisa que se destaca quando alguém olha para o rosto dele, é uma cicatriz razoavelmente grande no canto esquerdo da boca.
     Mas hoje o dia do trabalho era de Saimer e de Kimberlly.
     Ela nunca foi acorda-lo em sua cabana para fazer o serviço, sempre se encontravam na grande mesa do acampamento, que era o encontro de todos nas refeições.
     Mas hoje foi diferente. Saimer estava atrasado, ela odiava isso nele, quase sempre se atrasava, para tudo.
     Então, já não aguentando mais esperar, começou a subir em direção à cabana dele.
     Pessoas já circulavam para os cantos, uns bocejando com a toalha de banho nos ombros, outros passando com equipamentos de caça, pescaria ou para concertar alguma coisa. 
     Kimberlly vestia uma camisa branca onde uma estampa preta que ocupava toda a camisa, se lia: ‘’A guerra tem como objetivo a paz? Acho que nesse caso não!’’. Uma jaqueta de couro bege, calça jeans preta e uma bota com tecido de camurça bege sem salto.
     Quase chegando à cabana de Saimer, Kimberlly passou por uma grande construção feita de concreto. Era uma espécie de quarto onde se guarda as coisas velhas que você não usa em sua casa através dos anos. Mas dentro da construção não havia coisas velhas, tinham suprimentos para sobrevivência, como: comida em latada, coisas de pesca, armamento incluindo balas e peças de armas espalhadas por todo o canto, cabanas velhas, sacos de dormir, facas para caça, talheres e um monte de coisas que eram necessárias para o dia-a-dia.
     Kimberlly chegou à cabana de Saimer e falou pelo lado de fora:
- Saimer, você esta ai? Acorde, como sempre você se atrasou, eu tenho uma raiva disso, você sabe.
     Por um momento não houve resposta.
     De dentro da cabana, Saimer estava olhando para teto, talvez não tenha ouvido Kimberlly chamar o seu nome ou talvez sim, mas estava concentrado demais para respondê-la.
      Desde que acordou novamente, não conseguiu dormi, ficou pensando no que sonhou, se era tudo verdade ou se era apenas um sonho qualquer. Mas o que ficou martelando sua cabeça mesmo foi o aconteceu no seu pesadelo. Ele agiu, não foi como das outras vezes que tudo acabou com sua morte, dessa vez ele reagiu. 
     Quando atiraram nele, tinha conseguido paralisar a bala que estava quase atravessa sua cabeça, e que tudo em volta estava em câmera lenta, como se o tempo tivesse parado.
     Era surreal tudo aquilo.
- Saimer, não me faça entrar ai e te trazer para fora a força – disse Kimberlly se irritando e chamando mais uma vez Saimer.
- Já estou indo, desculpa – disse Saimer em um tom desconfortante, como se estivesse atrapalhando-o e estava.
     Em poucos minutos ele estava descendo com Kimberlly rumo à estrada que eles sempre pegam para seu trabalho. Ele estava vestido como na madrugada, não mudou nada exceto que estava usando luvas de couro para não machucar outra vez as mãos como sempre faz.
- Você esta bem? Parece que não dormiu direito. Pesadelo de novo? – perguntou Kimberlly. Ela estava observando a aparecia dele, estavam com olheiras como sempre, mas ele estava longe, como se sua mente não estivesse ali:
- Ei, estou falando com você, acorde! – ela estalou os dedos na frente do seu rosto para ver se ele prestava atenção nela:
- Desculpe, é o sono. Vamos terminar isso rápido – Saimer disse apontando para o caminho em que eles deveriam seguir.
     O sol já estava forte, mas como estava no inverno, fazia frio ainda.
     Assim como no outono, no verão as árvores perdem folhas, por serem de uma floresta típica com o clima temperado.
     Era inverno, as condições não eram muito boas para se encontrar algo seco. Tinha neve para todo o canto. 
Saimer olhou tudo aquilo, havia tempo que não conseguiam uma quantidade grande de gravetos, pedaços de troncos e etc.
- Vamos voltar? Ou enrolar um pouco aqui para não ficarem pegando no nosso pé por voltarmos cedo e não trazemos nada? – perguntou Saimer desanimado.
- Saimer, o que aconteceu com você? Desde que estamos andando você parece tão distante – Kimberlly estava insistindo nessa pergunta desde manhã – Sei que esta acontecendo alguma coisa, eu te conheço e não é de hoje – continuou insistindo deixando Saimer sem para onde correr.
- Certo, olha, não sei se deveria contar isso, mas eu sonhei com uma coisa muito... Muito... Não sei como dizer – ele falou isso distraído, não estava olhando para Kimberlly. Procurou um tronco caído e sentou-se, pelo jeito a historia ia ser longa.
- Sonhou com o que? – perguntou Kimberlly curiosa e sentando-se do lado de Saimer.
- Bem... Olhe espere eu falar esta bem? 
- De acordo, comece a falar.
     Saimer deu um suspiro, não sabia se deveria contar, mas ficar guardando isso pra si mesmo estava deixando-o louco e não era para qualquer um que ele iria contar, era para ela, Kimberlly a menina que ele ama desde seus 13 anos, única pessoa que ele confiava no mundo. 
     Ele estava olhando para a neve derretendo no chão cobrindo as folhas, sua expressão não era das melhores.
     Ele contou tudo, nos mínimos detalhes sem faltar nada, e ainda continuava a olhar para o chão. Kimberlly estava sem saber o que dizer. Esse sonho a deixou confusa também. Estava se sentindo culpada por não saber o que falar, sempre tinha algo para falar para ele, mas dessa vez não tinha.
- Confuso não é? Se você esta assim, imagina como estou – desta vez Saimer olhou para Kimberlly, nos seus olhos, eles estavam em um tom de verde claro.
- Não precisa se sentir culpada por não ter nada o que falar. Às vezes o silencio fala mais que palavras. Sei que esta preocupada e confusa, você não precisa falar nada pra demonstrar isso, basta eu olhar e descobrir – disse Saimer em um tom carinhoso e doce e continuou falando – E se quer saber de uma coisa, só de saber que esta do meu lado é tudo o que eu sempre quis desde o primeiro dia em que te vi – Saimer estava conseguindo, finalmente, estava abrindo o jogo com Kimberlly sobre o que ele sentia, e sobre o assunto do sonho que ele comentou, tinha ficado de lado:
- Eu... Eu... – Kimberlly gaguejou, sempre fora assim. Sempre que Saimer começa a falar o que sente ou dar indiretas ela gagueja e não tem coragem de ceder, ela queria dizer eu te amo para ele, mas não conseguia.
- Enfim, você acha que esse sonho, tudo isso pode ser verdade? – Saimer voltou ao assunto do seu sonho, viu que tentar colocar as cartas na mesa e falar do seu sentimento fazia Kimberlly se envergonha e gaguejar.
- Não sei direito. Já ouvir falar desses tais de Dreamers, apenas boatos, mas você ser um deles é loucura. Se fosse, era para estar nesse tal lugar que existem sobreviventes, no caso só tem sobreviventes anormais – disse Kimberlly voltando ao normal.
- Você fala como se essas pessoas fosse uns monstros ou coisa parecida.
- Não é isso, é tudo muito confuso e parece ser impossível.
- Não existem coisas impossíveis e sim coisas difíceis de serem alcançadas.
- Mas você acha realmente que é um deles?
- Talvez, não sei ainda... Estou confuso, mas vou tentar descobrir. John falou que a chave esta na minha mente.
- Bem, você que sabe, só quero que saiba que estou aqui para qualquer coisa – despois que Kimberlly falou isso, suas bochechas ficaram avermelhadas, não se deu conta de que falou aquilo.
- Eu sei disso, eu agradeço. Mas o que vamos fazer, voltamos para o acampamento de mãos abanando ou tentamos procurar algo? – perguntou Saimer mostrando a situação de como estava para procurar algo seco para fazer fogo.
- Bem que você podia sonhar que conjurava umas madeiras secas do nada, poupava nosso trabalho não é mesmo? – perguntou Kimberlly fazendo um comentário sarcástico do assunto e sorrindo. Como Saimer amava aquele sorriso, perfeito mostrando os dentes perfeitamente alinhados e brancos, isso a deixava mais atraente e mais... Mais... Perfeita.
Saimer levantou-se pegou um punhado de neve, fez uma bola e atacou em Kimberlly.
- Seu bobo, olha o que você fez? Sujou-me toda, você vai ver – Ela se levantou também, fez uma bola maior e tacou nele.
     Ele correu desviando das bolas de neve que ela atacava. Kimberlly estampava um sorriso no rosto, vazia que não se divertia assim. 
     Ultima vez que esteve se divertindo assim foi... Ela não sabe. Mas Saimer estava lá se divertindo com ela, como se tudo o que estava acontecendo não importasse mais.
     Saimer estava escondido atrás de uma árvore, Kimberlly estava procurando-o, de repente ele saiu de onde estava e falou:
- Estou aqui sua boba – Kimberlly se assutou e atacou a bola de neve em direção ao seu rosto, mas foi com muita força. Saimer fechou seus olhos e só sentiu a bola de neve gelada explodir nos seus olhos, ele tombou para traz e caiu de bunda no chão, não esperava tanta força.
- Ah meu deus! O que eu fiz. Saimer você esta bem? Machuquei você? Eu sempre estrago tudo viu – Kimberlly saiu correndo para ver como ele estava, abaixou-se a seu lado e tirou as mãos que cobriam seu rosto.
Ela ficou perto do rosto dele, a um palmo de distancia. Ele abriu os olhos sussurrou:
- Queria poder ficar aqui nesse momento para sempre – ele sussurrou suavemente e depois aconteceu uma coisa inesperada. Os lábios dos dois se encostaram suavemente. Foi a melhor sensação que Saimer tinha sentido desde que se separou de seus pais. Estava tocando os lábios da menina que ele sempre amara. Mas aquele momento durou pouco. Kimberlly se afastou rapidamente e estava muito vermelha, ela estava sentindo o mesmo que Saimer, mas estava com muita vergonha.
- Desculpe, eu não queria que ficasse assim, tão tímida, acho melhor voltarmos ao acampamento – disse Saimer se sentindo culpado. 
- Saimer... Não é culpa sua.  Sou muito envergonhada e tímida, às vezes tenho raiva por isso, não queria ser assim. 
- Tudo bem, eu entendo – Saimer deu a mão para ela para que pudesse levantar da neve gelada – Vamos voltar e rezar para que não ninguém brigue com nós.

     Ao voltar, ninguém desconfiou de nada o que era raro já que todo mundo por lá eram rigorosos em questões de dever.
     Mas Saimer notou que havia bastantes galhos e troncos de arvores secos o suficiente para mais um mês ou dois.
     No caminhou de volta, nenhum dos dois deram uma palavra. Tinha acontecido algo intenso e forte a momentos atrás, mas ninguém achou que fosse algo tão tenso para comentar algo.
Eles se despediram estranhamente. Cada um foi para um canto.
     Saimer voltou à cabana dele, conferiu as horas, eram exatamente 10h00min, estava exausto pelas noites mal dormidas. Então se deitou, estava pensando no ‘’beijo’’ que deu em Kimberlly e ao mesmo tempo estava tentando esquecer para manter a mente vazia e tentar descobrir se tudo o que estava acontecendo era real. Mas não deu tempo, ele dormiu rapidamente com os pensamentos embaralhados.
     Saimer estava sonhando com o memento que ele passou com Kimberlly, o pequeno beijo que eles deram.
     Mas algo no sonho estava errado. Em sua mente, Saimer estava desejando que aquele momento se prolongasse que Kimberlly não sentisse vergonha. E foi exatamente isso que aconteceu.
     Eles literalmente se beijaram. Um beijo longo e devagar, como um casal apaixonado dando seu primeiro beijo, mas era exatamente isso que estava acontecendo. 
     Os dois não eram um casal, mas eram apaixonados e o primeiro beijo de verdade deles aconteceu em um sonho, um pouco bizarro se for analisar. 
     Aquilo não era para acontecer. Acho que agora ele estava começando a acreditar que podia controlar seu sonho. Saimer desejou que aquele momento se prolongasse, e dito e feito. 
     Mas o sonho mudou. Estava no mesmo pesadelo de sempre e na mesma posição, esperando pela morte.
     Ele estava querendo se libertar, querendo sobreviver mais uma vez daquele pesadelo horrendo.
     Em sua mente ele falava: ‘’Eu estou no controle. A partir de agora não sonharei mais com isso. Sonharei com o que quiser. Vou fazer do meu sonho o refugio para o mundo perfeito. ’’
     Então algo estranho acontece. Sua cabeça começou a doer, seus pensamentos desapareceram e na sua mente tudo ficou branco.
     Saimer abre os olhos e se viu em um ambiente familiar.
     Ele não acreditou onde estava. O lugar era o mesmo quando sonhou com o John, onde aquele estranho senhor falou para ele que era um  Dreamer e que o mundo precisava dele.
Tudo estava totalmente branco, Saimer não conseguia ver ate onde dava.
- Isso é impossível! – falou ele incrédulo – Finalmente consegui libertar minha mente. Alcançar o imaginável. Expandir-me. Eu realmente sou um Dreamer, e agora? 
     Ele realmente não acreditava no que estava acontecendo. Em tão pouco tempo conseguiu controlar sua mente dentro do sonho. Conseguiu tirar todos seus pensamentos da cabeça e deixar sua mente vazia para sonhar com o que quiser.
E agora? Qual era o próximo passo? O que deveria fazer agora? E quando acordasse?
- Calma Saimer, respira. Você precisa se controlar. Qual a primeira coisa que deve sonhar? O acampamento.
     Ele fechou os olhos, concentrou-se. Imaginou cada parte do acampamento. Cada lugar em que passou e viu. A imagem do acampamento estava começando a surgir em sua cabeça, mas não conseguiu juntar informações suficientes. Sua cabeça começou a doer, latejar tanto que caiu de joelhos e colocou suas mãos na cabeça de tanta dor e todo seu pensamento sumiu. Ele se recuperou e se levantou novamente.
- Certo. Talvez isso fosse algo muito grande para sonhar. Talvez... A minha cabana, uma coisa simples de se imaginar.
     Fechou os olhos novamente e pensou nela. Em cada detalhe da parte interna e externa.
     Não houve a dor na cabeça dessa vez. Automaticamente ele simplesmente abriu o olho, estalou os dedos das duas mãos e de repente estava dentro de sua barraca. Ele se sentou e cruzou as pernas.
     Ele não soube como fez aquilo. Foi por instinto, como se fosse fácil e simples.
- Incrível! – essa foi a única palavra que conseguiu falar, seus olhos brilhavam.
- E se ela flutuasse? Se eu pudesse controlar as coisas com a mente? Não seria uma má ideia né? 
    Dessa vez ele não fechou os olhos. Apenas se concertou em tudo a sua volta. 
     Percebeu que havia uma pequena corrente passando por ele. Pensou na liberdade, na pluma ao vento, nos pássaros de como era simples sair voando. E pensou no sonho anterior de como conseguiu paralisar aquela bala e deixar tudo em sua volta em câmera lenta, só agora ele deu conta da onde veio tanta energia que recebeu naquele instante.
     E novamente, com um impulse ele estralou os dedos e começou a erguer as mãos para cima e ele sentiu uma sensação diferente.
     Não foi a cabana que estava flutuando, era ele. Saimer estava em uma espécie de transe e começou a sair do chão ate chegar ao topo da cabana e bate de leve a cabeça e então ele voltou ao seu estado normal e olhou para baixo e arregalou os olhos e disse:
- O meu deus! Eu consegui!
     E depois tudo ficou escuro.
     Ele tinha aberto os olhos na vida real, tinha acordado. 

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